O problema com a nossa Constituição, para lá de ser longa, ideologicamente marcada e confusa, é sobretudo o de não garantir os direitos dos mais indefesos da acção do estado: os que (ainda) não votam. E os dias que correm não podem passar sem que se diga que a Constituição da República Portuguesa, e a recente decisão do Tribunal Constitucional confirma isso, não quer saber dos que vão pagar de forma pesada os disparates das últimas décadas.
O estado português, de forma aparentemente constitucional, construiu nos anos passados e a custas dos contribuintes futuros, um sistema intrincado de despesa pública. A despesa pública serviu para grandes inaugurações, fabulosas exposições, grandiosas nomeações, incríveis pensões, espectaculares subsidiações… E serviu claro também para construir escolas, hospitais, pagar reformas a quem nada tinha ou pagar salários a polícias.
Tudo isto é de certa maneira legítimo e justo (vamos descontar que muitas vezes se criam encargos em salários, custos de manutenção ou direitos adquiridos para o futuro) não fora o pequeno pormenor de em cada uma destas rubricas de despesa haver um pedaço significativo que é gasto por conta dos contribuintes futuros. Se olharmos para os números dos últimos anos, facilmente concluímos o cenário: por cada euro arrecadado desde 1995, o estado teria de ter arrecadado mais 12 cêntimos para não deixar um rasto de dívida para o futuro. Isso mesmo: se acha – e bem – que já paga muitos impostos, imagine mais 12% sobre o que pagou desde 1995 e ganha um bocado de perspectiva sobre o que estamos a falar. Como a economia não cresce nada que se veja nesse mesmo período, o peso da dívida na riqueza, na verdade, cresce ainda sobre este valor. Ou seja a factura vai ser ainda mais cara.
E vistas bem as coisas estamos perante um problema não só económico, como também ético. Os sucessivos governos e parlamentos do passado – sem qualquer embate com a nossa Constituição – permitiram-se em nome dos eleitores de hoje endividar o país para lá de qualquer limite razoável. É a prova provada que a moral não está na lei mas nas acções: acções de todos os pontos de vista imorais foram toleradas pela lei, aliás, foram escritas em lei. E como não classificá-las de imorais se estas acções levam a encargos que os encarregados nunca autorizaram com o seu voto?
O problema, naturalmente, leva-nos ainda a caminhos mais profundos: pode por exemplo alguém que não vota, ou que vota pela redução da despesa pública e dos impostos ser depois carregada com os impostos decorrentes da opção de terceiros por mais despesa pública? É uma questão interessante e importante sobre a condição de vida em sociedade e sobre o “contrato social” (que não me lembro de ter assinado), mas que terá de ficar para outra altura. O que fica para hoje (para amanhã, na verdade) é mesmo a dívida que os nossos filhos vão pagar em nosso nome e do nosso estado.
Deve isto levar os jovens de hoje a questionar e atacar os jovens de ontem, como aconteceu na Alemanha e França dos anos 60? Certamente que não. O país resolve-se andando para a frente, questionando certamente o passado, mas também com certeza sem um conflito geracional de que não precisamos. Creio, infelizmente, no entanto, que esse conflito seria legítimo sobretudo pelo facto da falta de qualquer garantia e protecção constitucional para os que hoje não têm voz – facto que hoje se evidencia no estado do país e nos esforços que temos de suportar.
A Constituição não serve. Protege, como se viu na recente decisão, impostos altos e chumba cortes na despesa. Permite que se onerem por via da dívida gerações de portugueses que ainda nem nasceram e já devem dinheiro. Está-lhe, ainda, subjacente um sistema de Segurança Social que torna os mais jovens, sobretudo na actual configuração da pirÂmide etária, garantes de direitos adquiridos (legítimos e pagos em consonância com as normas em vigor, ainda que não necessariamente de forma sustentável) sem reais expectativas de terem iguais benesses. E, claro, não tem uma palavra de solidariedade intergeracional quando estão causa encargos assumidos por outras vias, como a das PPP. Merece por isso, em nome da dignidade humana que diz defender que se possa rever profundamente. Porventura revogar mesmo para escrever uma nova. Não uma Constituição revanchista do 25 de Abril e do período revolucionário subsequente (que trouxe muito lixo para o texto constitucional mas que o que até torna o texto um legítimo representante do espírito da época), mas uma Constituição que limite a acção dos governos e governantes face aos direitos, liberdades e garantias que devem ser cimeiros num texto fundamental – incluindo os direitos dos até agora esquecidos.
PS: Perguntará o leitor: E este que é deputado, o que fez para não se incluir nos que enterraram o país em divida? Bem, em primeiro lugar tem neste e noutros posts uma resposta em jeito de alerta. Que naturalmente não basta. Mas poderá ajudar o facto de por via dos dois últimos orçamentos termos operado uma mudança nas contas públicas que leva a que tenhamos superavit primário e superavit da balança externa. Já estamos portanto a pagar e não a aumentar o endividamento. Serve de pouco consolo, eu sei, mas o leitor já está no grupo dos que pagam o passado. Agora olhe para trás e agradeça a dívida.
Na Segurança Social há um partido que se distinguiu muito a propor o aumento das pensões mais baixas, por serem baixas, independentemente do seu suporte em termos de carreiras contributivas…
A direita, pela voz de Michael Seufert, começa a mostrar o que realmente lhe interessa: destruir a Constituição saída do regime democrático, após o 25 de Abril. Diga-se, em abono da verdade, que da parte do CDS tal não é de estranhar: foi o único partido da Assembleia Constituinte, que votou contra a Constituição, em 1976. Não admira que alguns dos seus deputados, mesmo que não fossem ainda nascidos, exprimam agora “desprezo” pela Lei Fundamental e tentem responsabilizá-la por uma situação que, em grande parte, é o resultado da acção dos interesses daqueles que o CDS defende e representa, apesar das campanhas populistas: os ricos e poderosos.
A incapacidade de perceber que a democracia não se esgota nesta Constituição e que muitos ricos e poderosos vivem justamente à sombra do estado – e em nada beneficiam da sua redução – leva-me a pensar que esta discussão não vai longe.
É a estes ricos e poderosos (http://www.donosdeportugal.net/) que se refere? É que estes já cá andam há muito tempo.
Não vi o filme, mas quando leio na página de abertura “O filme retracta a protecção do Estado às famílias que dominaram a economia do país”, parece-me muito o meu comentário anterior “muitos ricos e poderosos vivem justamente à sombra do estado”.
Nesse caso, aconselho-o a ver mesmo o filme. Estou certo de que vai gostar.
[…] ← Conflito geracional […]
Concordando ou não com Michael Seufert, é preciso concordar que a CRP não protege os seus cidadãos em dois pontos fundamentais:
1º Não impõe um limite máximo ao endividamento do país( endividamento esse que é sempre pago pelas pesssoas, fruto do seu trabalho)
2º Não estabele um mínimo de quanto o Estado pode pedir/confiscar em impostos aos seus cidadãos.
Meus caros, até uma Constituição que tem direitos para tudo e para todos se verga perante as leis da matemática e da economia.
Concordo e é esse o ponto essencial do texto. Abraço
Os cortes alternativos (a conhecer nos próximos dias) terão um impacto mais recessivo sobre a economia que os cortes chumbados pelo TC, porque recairão sobre os agentes mais fragilizados neste momento económico: as pequenas e médias empresas.
http://jornalismoassim.blogspot.pt/2013/04/gloriosa-republica-socialista-portuguesa.html
[…] E se tiver um Coiso acoplado ao aileron? Claro que sim, é Sérgio Sousa Pinto, a reagir a este post fundamentado do deputado Michael Seufert, um perigoso não-socialista, gajo capaz de sugerir merdas fachas como a igualdade e a liberdade. E […]
Assim de repente, relativa à dívida pública, está-me a ocorrer…uns submarinos?!
Mais não digo pois nem vale a pena, pois vindo de alguem (leia-se partido) que esteve e está contra o voto aos 16 anos mas que já está a favor de mandar para a pildra à mesma idade. Coerência!!!
Creio que se fosse hoje ninguém compraria dois submarinos. Mas repare que eram quatro incialmente e o governo em 2002-2005 reduziu para dois. Confesso também a minha incompetência em saber se eram ou não essenciais para a nossa defesa nacional. Nunca vi um responsável militar a queixar-se – mas isso, enfim, as corporações também nunca se queixam de ter a mais.
Quanto à capacidade eleitoral e à idade de imputabilidade criminal não acho que tenham necessariamente de estar interligadas. Mas aceito outras ideias, força!
Bem. Se se atingiu a maioridade para umas coisas…
Qt aos submarinos, para além de terem sido apenas um exemplo (sem duvida posso dar mais), parece-me por demais evidente que fazem uma falta incrível! Para ir à pesca e não acontecer as desgraças q acontecem todos os anos a quem anda no mar.
Apenas mais uma achega. Como se pode criticar seja o q for relativamente à nossa falta de dinheiro, qd o CDS (PP ou não) esteve sempre a favor de Bruxelas no sentido da destruição da nossa produção?! Pescas, agricultura, estaleiros navais (no passado com a Setenave e Lisnave) e no presente/futura Viana do Castelo, indústria metalomecânica, etc, etc, etc?
Cump.
Mas por exemplo, trabalhar já se pode a partir dos 16. Ser candidato a Presidente da República só a partir dos 35… Isto para dizer que direitos e deveres não andam necessariamente a par em termos de idades.
Quanto aos submarinos e outra despesa, volte-se ao texto: é ou não a despesa assumida no passado por recurso à dívida enviada para o futuro (que em parte já chegou) que criou uma insustenbilidade das nossas contas públicas? O que se defende é que por respeito à dignidade humana se limitem as dívidas que os governos podem assumir. Para lá disso, logo podem decidir se querem comprar submarinos, se querem gastar noutras coisas. Mas volto a dizer que de equipamentos de defesa não percebo suficiente, confiando nos que percebem.
Quanto à falta de dinheiro é difícil de perceber que a União Europeia tenha tido necessariamente um contributo negativo. Conquanto seja verdade que se apoio o desmantelamento de algumas indústrias, a verdade é que com isso vieram também fundos de desenvolvimento. Além disso fica por provar que essas indústria se manteriam na mesma e que não encerrariam por ser inviáveis (as que fossem).
A razão pela qual o Presidente da República só pode ter 35 anos para se candidatar terá, juldo eu,haver com o facto de se presumir de que apartir dessa idade já somos um pouco mais “crescidos” e ponderados para tomarmos decisões com a relevância que o cargo terá. Mais uma vez digo…presumo.
Óbviamente que cada ser é um ser. Mal “acomparado”diria que, embora o Cristiano Ronaldo tenha mais 3 anos que o Messi, o primeiro não deixa de ser um “puto, enquanto que o segundo se comporta como um senhor (e não discuto futebolisticamente). Enfim…
Quanto ao, e passo a citar “…é ou não a despesa assumida no passado por recurso à dívida enviada para o futuro (que em parte já chegou) que criou uma insustenbilidade das nossas contas públicas?…”
Óbviamente. Isso é uma verdade “lá Palice” ou então não seria dívida pública.
A questão é: Quem criou essa despesa (enorme)?
A verdade é que desde o 25 de Abril, o nosso país tem sido, sucessivamente, governado pelos mesmos. Isto inclúi obviamente o CDS! Independentemente do facto (que o é), do PS ter contribuído para esse mesmo saldo. Com isto não estou a defender esse partido. Longe de mim! Mas factos são factos.
Quanto ao desconhecimento relativamente aos submarinos, também eu não conheço pormenorizadamente esse facto em concreto. A questão não é essa! A questão prende-se com o facto de se ter gasto dinheiro para 2 colossos de centenas de MILHÕES de euros para estarem parados à beira Tejo, sem qualquer utilidade prática para a realidade do nosso país. Para gastar milhões nisso (e volto a frisar que é apenas um pequeno exemplo de muitos), não se gasta no que de facto é essencial para o desenvolvimento de um país, por exemplo, educação.
Igualmente, não me parece justificável, o facto de desconhecer. Então querer-me-á dizer que Paulo Portas (que, julgo, terá curso de jornalismo ou qq coisa do género), agora também percebe de submarinos e de estratégia militar. Pois foi com ele enquanto Ministro da Defesa no governo de Durão Barroso que se compraram os ditos.
Mas que bom…eram 4 e só vieram 2!. Não me parece que se justificasse nem 1 com as dificuldades que o país sempre teve no âmbito internacional quanto ao desenvolvimento.
Também, claramente, não me parece que as pescas, agricultura, metalomecânica pesada se possa deitar fora pela janela, assim como a indústria naval que já fomos, no passado, um dos países melhor posicionados.
Ao deitar, borda fora, as pescas e agricultura recebemos fundos?! Eu não! Mas certamente que alguns sim. Nem vou entrar por aí, pois até gosto de jipes.
Mas aqui a questão também se põe.
Abatemos frotas pesqueiras. Arrancámos uma série de plantações. Para quê?
Simples. Não produzimos, temos de comprar! A quem? Aos grandes países europeus…PIMBA! Suba lá mais um pouquito a dívida! Não faz mal, a malta paga!
Cumprimentos e fico-me por aqui.