Nem sou católico nem militar, mas não consigo ficar indiferente a isto: O bispo das Forças Armadas diz não ter “quaisquer elementos que provem que isso não é verdade”. “Isso” são as acusações a D. Carlos Azevedo.
E é isto notícia.
Que o bispo Januário Torgal tenha problemas de carácter é lá com ele, que o Público lhe dê voz já é mais grave, que as Forças Armadas continuem a compactuar com esta figura é finalmente preocupante. Como um religioso deveria aliás saber, é impossível ao bispo Januário ou a qualquer outra pessoa ter provas que algo não aconteceu. Os acontecimentos e os factos provam-se pela positiva. Não é pois, por acaso, que num sistema judicial sério se prova a culpa e nunca a inocência.
Deus é o exemplo máximo de quem não se pode provar que não existe. Poder-se-ia provar que existe: ele chegava, apresentava-se, “Deus, muito prazer” e se eu estivesse “Ui, Michael Seufert, o prazer é meu” e Ele “Já sei, e deixa-te dessas merdas do prazer estás é borrado de medo”, e eu “Pois.”
No entanto a ausência desta ou doutras formas de prova não quer dizer que Deus não existe. Da mesma forma, a ausência de provas de que Januário Torgal se queixa, não valem um tostão furado. Que provas, aliás, seriam essas: um detalhado cronograma da vida de D. Carlos Azevedo, com gravação áudio e vídeo de todos os momentos? Por menos de isso poderíamos dizer: “não tenho elementos que provem que isso não é verdade”.
Não conheço D. Carlos Azevedo, apesar de ter estado uma ou duas vezes com ele. Não sei ou não se é culpado de algum crime ou de alguma conduta imprópria à luz da organização que representa. Acho importante que se possa provar o primeiro, se for verdade e houver acusação. Pouco me importa o segundo caso, mas isso diz respeito à Igreja. Mas este atirar de lixo, de diz-que-disse, pondo-se não-factos em cima da mesa para alimentar uma acusação cheira a politiquice nojenta e abjecta.
Na melhor organização cai a nódoa. Na igreja e nas Forças Armadas estamos conversados.
[…] bispo que não tinha provas de que o seu colega não era homossexual queixa-se dum linchamento por causa dos valores da sua reforma e de outras […]
“(…) é impossível ao bispo Januário ou a qualquer outra pessoa ter provas que algo não aconteceu” – não, não é. Se eu o acusar de assassínio de certa pessoa, em certo local a determinada hora e se tiver, um alibi, ou testemunhas que provem a impossibilidade ter estado no dito local à dita hora, tem, obviamente, provas de que algo não aconteceu.
A falácia lógica só existe quando se determina a veracidade de algo pela ausência de prova em contrário. Goste-se ou não, justo ou injusto, a verdade é o bispo não afirmou que as acusações eram verdadeiras por não ter prova de que são falsas – não discuto intenções ou insinuações.
Aquilo que diz está errado. E Deus não tem nada que ver com a história. Estamos de acordo que, por ora, não se pode provar que Deus não existe. Mas, novamente: a lógica falaciosa seria provar que Deus existe usando o facto de que não se pode provar que ele não existe.
Infelizmente temo bem que o bispo Ferreira tenha mesmo declarado que não tinha “quaisquer elementos que provem que isso não é verdade”. Se com isso queria dizer que isso e só isso o levava a duvidar de D. Carlos é outra história. O que é inequívoco é que com tal afirmação se queria como que corroborar as acusações e isso é desonesto porque corresponde, como muito bem diz o Francisco, à falácia que refere que é aliás a que dá origem ao meu texto. Penso por isso que não há qualquer contradição. Eu simplesmente vou mais longe e digo mesmo que além de haver ausência de prova negativa, essa prova negativa é impossível pelas regras da lógica.
O exemplo que refere é claro: a prova não é pela negativa, antes é pela prova de outros factos (pela positiva) que são incompatíveis com a veracidade do primeiro facto.
Se por exemplo considerarmos que é incompatível com a existência de Deus a existência dum determinado acontecimento e conseguirmos provar esse acontecimento, voilá, conclui-se pela inexistência de Deus. (Acho que tal incompatibilidade não existe, no entanto. Vale só de exemplo.) Perante uma acusação genérica, sem data e local determinado, como “o senhor fulano de tal praticou actos de assédio sexual” é até impossível encontrar prova positiva de um facto que seja incompatível com a acusação inicial.
Caríssimo:
1. Eu não disso que o bispo não fez essa afirmação, só disse que ele não tinha afirmado que as acusações eram verdadeiras, ao dizer que não tem provas contra.
2. O exemplo que dei não era uma acusação genérica. Suponhamos que falsifico provas: planto impressões digitais no local, arranjo testemunhas falsas que corroborem que o viram à tal hora, etc. Essas são provas positivas. Embora falsas, se não forem desacreditadas, serão admitidas como válidas. Se mais tarde aparecerem provas não falsificáveis (como um registo vídeo seu, numa televisão pública, a assistir a um evento ao vivo), então aí há provas de que o acontecimento descrito na acusação não tinha tido lugar.
O exemplo serve meramente para dizer que o bispo poderia ter tido ouvido as acusações e posteriormente ter tido acesso a provas que invalidassem a acusação. Ele simplesmente afirmou que ouviu as acusações e que não teve provas que as contradissessem. Isso não faz das provas provas verdadeiras.
Mais uma vez, não discuto a motivação do bispo e objectivo que o levou a proferir o que proferiu. Poderá inferir que isso corrobora as acusações, mas isso não pode decorrer logicamente da afirmação do bispo, mas sim dos pressupostos que está a fazer sobre a motivação dele. O “inequívoco é que com tal afirmação se queria como que corroborar as acusações” é interpretação sua. A interpretação puramente lógica é de que não há provas que as acusações sejam verdadeiras, mas também não há provas que sejam falsas. Não estou a ignorar que as acusações devem ser acompanhadas de prova, e, não conhecendo o seu teor, não sei se podem ser imediatamente descartadas ou não; se puderem ser, e o bispo o souber, então concordo consigo.
3. Não obstante, o que queria chamar a atenção é que, num contexto judicial, a afirmação que fez está errada, i.e., não é “impossível (…) [uma] pessoa ter provas que algo não aconteceu”. Pode, se a acusação for falsa, i.e., o acontecimento como descrito na acusação não pode ter acontecido.